terça-feira, 18 de dezembro de 2012

HÁ 30 ANOS...

Dezessete de dezembro de 1982. Ela estava fazendo almoço. Não era qualquer refeição. Não naquele dia. Havia algo especial naquela cozinha além do Sazon que temperava o arroz. Era mesmo um dia diferente, com pompa e circunstância para um anúncio inusitado. Então, ele, sem notar, pegou a chave do carro e, como era de costume, saiu. Prometeu voltar dentro de uma hora. No banco de trás o filho mais velho, naquela época com seis anos de idade. No meio do trajeto um veículo azul com placas de um município vizinho veio desgovernado de encontro com seu carro. A colisão foi inevitável. Mesmo sem sofrer um arranhão sequer foi tirar satisfação com o imprudente motorista. Não houve diálogo, nem bom senso. Mesmo errado e na contramão, o condutor do outro veículo lhe desferiu, com uma faca, um golpe certeiro. Não houve defesa para tamanha covardia. Nem chance, nem tempo, nem volta. Foi ali mesmo, naquela calçada, no centro da cidade, que ele se despediu, sem ao menos ter a oportunidade de olhar para trás. E ela, pronta para dar a notícia de que estava grávida de mais um filho homem, foi surpreendida pela informação de que ele jamais saberia disso, pois já não havia mais tempo e nem vida para esse e qualquer outro comunicado.
Parece ficção, mas não é. Assim como não é ilusão o sol que brilha lá fora anunciando que estamos a bordo de mais um dia. E cada dia é um novo começo, uma nova oportunidade pra aprendermos mais sobre nós mesmos, pra nos importarmos mais com os outros, pra rir mais do que rimos até agora, pra realizar mais do que pensávamos que poderíamos, pra sermos mais do que fomos até agora. Até porque não sabemos quantos "agoras" nos restam. E mesmo que restassem muitos, nenhum seria igual ao outro. E nenhum voltaria, jamais.
Tornou-se clichê lembrar que a vida é curta, e mais clichê ainda lembrar que ela é bela. Esquecemos disso porque, nessa correria muito louca, já amanhecemos estressados, priorizamos o superficial e superficializamos o prioritário. Vivemos como se ainda nos restassem muitos "amanhãs" e nos esquecemos que somos tão frágeis quanto o pano da cortina que pode se fechar a qualquer momento. Se despedidas são difíceis, pior é partir sem elas. Então, melhor viver como se fossem acontecer no próximo segundo.
Como diria Charles Chaplin, “a vida é uma peça de teatro que não permite ensaios. Por isso, cante, chore, dance, ria e viva intensamente, antes que a cortina se feche e a peça termine sem aplausos”.
Não o conheci, mas profundamente o amei e o amo a cada dia. Das muitas memórias da infância a vontade de ganhar uma bicicleta se confundia com o desejo de um abraço. O dia dos pais era sempre confuso, eu nunca sabia o que fazer direito com as lembrancinhas artesanais que fazíamos na escola. Olhava para um lado, olhava para o outro, e não foram raras vezes em que não entendia o porquê dele não estar ali. Não o conheci, mas só fisicamente. Lembro das histórias que me contam, dos gestos que para mim relembram, dos fatos que detalhadamente alguém sempre narra.
Ele não tem o nome no Google, nem em livros, nem no Guinness. Não precisa. Seus exemplos, legado e postura ecoam na eternidade da sua curta história, me fazendo lembrar da onde vim e aonde posso chegar se preservar o que me deixou.
Papai, um dia vamos nos ver face a face. Relembraremos as histórias que não vivemos e o jogo de futebol que não assistimos. A discussão que não tivemos e as vitórias que não comemoramos. As broncas que não me deu e os abraços que não pude te dar. Os conselhos que não recebi e as histórias que não me contou. Mas enquanto esse dia não chega, sigo firme com a meta de ser, um dia, pelo menos um pouco de tudo o que você foi, é, e sempre será. Porque o amor nunca morre.

domingo, 9 de dezembro de 2012

PARA NÃO FAZER DO SONHO UM PESADELO

Na pós-modernidade o velho e polêmico mote da gerra dos gêneros parece estar mais em evidência que nunca: mulheres querem casar e homens temem perder a liberdade. Como se um fosse tomar o lugar do outro. Que absurdo. É claro que vai tomar! Mas ainda bem que há como resolver essa situação, afinal, o equilíbrio entre uma coisa e outra está no diálogo. Certo? Errado! Para equilibrar um relacionamento a dois não basta diálogo, mas muito exercício e renúncia.
Não se emagrece apenas tendo vontade de emagrecer, mas fazendo atividades físicas e renunciando às tentações irresistíveis da culinária. Assim é o matrimônio ou qualquer relacionamento a dois. Só dará certo se além de diálogo, admiração e amor, houver uma firme, constante e recíproca decisão de estar ao lado do outro, não só literalmente. Aliás, mais importante que estar ao lado de alguém, é estar de fato e verdadeiramente “com” este alguém.
Todo relacionamento é uma lente, que aumenta nossos defeitos, tornando ínfimas nossas qualidades. Talvez seja por isso que amar torna-se sempre uma decisão, que faz a outra pessoa querer estar ao e do meu lado, apesar de mim.
Para se apaixonar ou casar é preciso ter inspiração, mas o que determina o tamanho da caminhada a dois é a transpiração. Outro fator preponderante, ainda que na visão de um simples observador solteiro, como eu, é possuir a dimensão mínima do que é o amor. Alguns confundem ensaios de amor com casamento e aí está um erro crasso de quem não entendeu que uma coisa não significa, necessariamente, outra. Matrimônio é vocação e não pode ser resumido somente a uma vontade que não enxerga o que, de fato, significa sua prática cotidiana.
Casamento nunca sai de moda, e infelizmente é por isso que muitos querem casar. E casam-se, muitas vezes, com a fundamentação de que o “amanhã a Deus pertence”. De certa forma é melhor que a máxima “seja eterno enquanto dure”. Assim vamos formando nossas relações descartáveis, tão profundas e imperecíveis quanto os doces e guloseimas servidos no dia da festa.
Vó Lívia, no auge dos seus 80 anos, sempre dizia: “quanto maior a festa, mais rápido o casamento termina”. Óbvio que ela sabia o que dizia e não generalizava, apenas exprimia, com seus profundos ensinamentos sobre a vida e o verdadeiro amor, que estar com alguém é gesto constante de dentro para fora, da raiz para o fruto, do coração para as aparências.
Machado de Assis dizia que "Deus, para a felicidade do homem, inventou a fé e o amor. O Diabo, invejoso, fez o homem confundir fé com religião e amor com casamento." Se ele está certo ou não, só nossas experiências e o senso de realidade que colocamos em nossos sonhos é que vão poder dizer.